quarta-feira, 24 de abril de 2013

O veneno nosso de cada dia...


Para manter o corpo em equilíbrio e se defender dos males da modernidade, muitas pessoas têm adotado a alimentação saudável. Saladas, legumes, carnes magras e brancas, sucos verdes e outras novidades direcionadas à chamada “geração saúde”, atraem cada vez mais adeptos. Mas existe um porém nessa história que parece perfeita. Sabem aquele velho ditado: “as aparências enganam?” Pois é. Há muito mais mistérios por trás de um prato saudável do que a vã filosofia possa imaginar.
Regados com mais de 400 princípios ativos de agrotóxicos utilizados isoladamente e combinados com outras substâncias que potencializam seus efeitos, esses alimentos representam hoje a dose diária de agrotóxico de quem ingere alimentos convencionais, como ressaltam os especialistas.

 
O alerta, lembra o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), não é apenas uma campanha para que as pessoas atentem para a produção e para o consumo de alimentos orgânicos no País, vai além disso. Para o movimento, é um alerta para um modelo de produção que, apesar de silencioso, é fatal.
Para a médica fitoterápica Henriqueta Tereza do Sacramento, as conseqüências de um prato considerável saudável hoje, porém, proveniente e uma produção convencional, é o acúmulo de substâncias no organismo que afetam não apenas as células de defesa do ser humano, mas, consequentemente, acarretam no desenvolvimento de doenças como o câncer, conforme apontam os estudos científicos com comunidades que vivem próximas a fazendas onde o veneno agrícola é utilizado em lavouras. Muitas vezes, os agrotóxicos rompem os limites toleráveis. “Nesta população, a incidência de pessoas com câncer é superior à da população em geral”, alerta a médica.
Durante o “Seminário de Enfrentamento aos Impactos dos Agrotóxicos na Saúde Humana e no Ambiente”, que aconteceu no início de junho no Rio de Janeiro, a pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Rosany Bochner, e outros estudiosos fizeram um alerta sobre a qualidade da alimentação dos brasileiros.
Karen Friedrich, pesquisadora do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, disse que a ingestão diária aceitável de agrotóxicos nos alimentos é de 7,5mg/kg. Isso não quer dizer que essa cota diária é segura. Mesmo porque, esse parâmetro é rompido pelos carcinógenos genotóxicos presentes no defensivo agrícola, para os quais não existe limite seguro.
                                                                                                                     Foto: www.seag.es.gov.br
A mesma afirmação foi feita durante a audiência da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), realizada em Vitória, em maio último. Na ocasião, o engenheiro agrônomo que representou a Associação Brasileira de Agroecologia no Estado, Vinícius Freitas, afirmou que não há consumo seguro de agrotóxico.
E ele parece estar coberto de razão. Estudos recentes comprovam que a exposição humana a baixas doses de agrotóxicos causa desregulação endócrina e imunotoxidade. E, consequentemente, alterações nas funções hormonais, cardiovasculares, renais, intestinais, neurológicas e imunológicas.
Ao atribuir a qualidade dos produtos à sua aparência saudável, as pessoas se enganam sobre o real conteúdo do que estão de fato consumindo. Por trás daquele prato que seu colega de almoço admira disparando um animado “Nossa, que prato bonito!”, tem escondida uma significativa quantidade de agrotóxicos. É aquela outra história: “bonitinho, mas ordinário”.
Para tentar se proteger dos alimentos carregados de veneno travestidos de saudáveis é bom ficar atento a algumas dicas. No topo da lista dos alimentos com alto índice de agrotóxico estão o pimentão (64,36%), morango (36,08%), uva (32,67%), cenoura (30,39%), alface (19,8) e o tomate (18,27). Os três últimos figuram diariamente no prato de grande parte dos brasileiros que têm certeza absoluta que seguem à risca o conselhos dos médicos e cobras em nutrição: carne branca cercada de muito colorido por todos os lados.
Outros alimentos são apontados por estudos como potencialmente mutagênicos e carcinogênicos. Em outras palavras, alimentos que quando carregados de veneno podem causar câncer ou até mutação genética. Na lista aparecem maça, pepino, abacaxi, laranja e beterraba. Esses também são ligados ao aumento de casos de leucemia, câncer de próstata, pulmão, linfoma e melanoma cutâneo.
Entre os venenos mais conhecidos e temidos utilizados na agricultura estão o Roundup, da multinacional Monsanto, que é absorvido, sobretudo, por sementes e frutas. Em animais aquáticos, uma pesquisa americana apontou que 80% dos adultos expostos ao veneno, em proporções normais, morreram em 24 horas.
O Roundup também é apontado por gerar danos à placenta humana. Algumas horas de exposição ao Roundup, em concentração 10 vezes mais baixa do que a usada na agricultura, são tóxicas para as células da placenta humana. Níveis extremamente baixos de exposição, segundo pesquisas divulgadas pelo Instituto Humanitas Unisinos (Rio Grande do Sul), podem resultar em produção 90% mais baixa de hormônios sexuais masculinos. E, em bebês, oferece risco de danos sexuais, cognitivos, de desenvolvimento físico e do sistema imunológico permanente.
Já outro estudo publicado no Journal of Neuroscience indica que a exposição simultânea ao herbicida Gramoxone e ao fungicida Maneb, ambos frequentemente usados na agricultura brasileira, é fator determinante no desencadeamento do Mal de Parkinson.
Como é mais fácil identificar as contaminações com reações agudas, as doenças geradas pelo consumo ou manipulação dos agrotóxicos, no entanto, ainda é incipiente no País. Além disso, criticam os agricultores orgânicos, o poder público vem ignorando estudos importantes, como é o caso da pesquisa realizada pela Universidade Federal do Mato Grosso, no município de Lucas do Rio Verde, que indicou que as lavouras da região consumiram cinco milhões de litros de agrotóxicos. O estudo demonstrou que dos 12 poços de água potável das escolas vizinhas às lavouras analisados, 83% estavam contaminados com resíduos de agrotóxico. Também foram encontrados 56% de resíduos nas amostras de água da chuva. A pesquisa citada entre ambientalistas e agricultores familiares de todo o País se tornou conhecida após provar que 100% das mulheres em fase de amamentação na cidade de Rio Verde tinham pelo menos um tipo de agrotóxico presente no leite materno. Porém, a incidência desta contaminação ainda não é tratada como um caso de saúde pública.
Estudos neste sentido também são ignorados pela indústria que controla grande parte do mercado mundial de venenos, como é o caso da Monsanto, a Dupont, a Bayer e a Syngenta.

Em contrapartida, os movimentos sociais ligados à agricultura camponesa lutam por outro modelo de agricultura no Brasil, onde haja uma matriz produtiva antagônica à do agronegócio, que se baseia na alta concentração de terra, na monocultura de produtos voltado à exportação, no uso irresponsável de agrotóxicos e na baixa geração e precariedade do trabalho para a população do campo.
Ainda assim, alimentos contaminados por esses produtos continuam chegando à mesa do brasileiro, como se fossem alimentos saudáveis. Dados oficiais apontam que cada brasileiro consome 5,2 litros de venenos por ano. O País, desde 2009, está no topo mundial do consumo de agrotóxicos.
Para o gerente de Agricultura Orgânica da Secretaria Estadual de Agricultura (Seag), Decimar Schultz, o consumo de alimentos convencionais ocorre devido à indústria alimentícia, que está por trás de tudo o que se produz e se consome neste sentido. “Vive disso e se mantém dentro do pensamento de quem vende mais é quem investe mais. Ao mesmo tempo, investe em mídia pesada. As pessoas precisam comer e a indústria quer que agente coma”, enfatizou.
Porém, além do desafio de avançar na mídia, Decimar alerta que para mudar este quadro, é necessário trabalhar o consumidor. Para ele, é desinformação achar bonita uma salada produzida de forma convencional. Neste contexto, portanto, além do pacote saudável que muitos vêm buscando, é necessário alertar para o pacote que de fato a agricultura orgânica abrange: saúde, meio ambiente, desenvolvimento social e econômico sustentável. “As pessoas, diz ele, deveriam se perguntar o porquê de ainda não terem aderido ao consumo de alimentos orgânicos”, completou.
Comer um produto orgânico, alerta ele, vai além de matar a fome. “Este público que cresce 20% ao ano já aprendeu que ao consumir orgânico, além da saúde, vira um investidor: investe em saúde, na permanência do agricultor no campo – tendo em vista os problemas de superpopulação das cidades – e na qualidade das águas”, afirmou.
Enquanto muita gente não pensa de onde vem a água que chega na cidade, outros investem no orgânico em suas cidades porque sabem como as mesmas são tratadas em suas fontes de origem pelos agricultores.
Este valor agregado torna este consumo uma atividade sustentável, defende Decimar. “Pode ser que a abordagem do porquê ainda estamos comendo algo que nos envenena dê certo, mas a psicologia já diz, toda vez que se proíbe algo, corremos o risco de dizer sim para aquilo. Então vamos pelo caminhada da informação. Falar que a comida tem agrotóxico é igual falar que cigarro mata, isso ainda não atingiu a consciência de muita gente”, alertou.
Entre os argumentos usados por ele para trazer produtores convencionais para a agricultura orgânica estão a saúde dos agricultores, a consciência sob a saúde do consumidor, a adequação ambiental da propriedade e a viabilidade econômica, que hoje, segundo ele, é compatível com a atividade agrícola convencional.
Mas, enquanto a indústria dos alimentos ditarem as regras, o Brasil continuará como o principal consumidor de agrotóxicos no mundo. E os brasileiros, ao invés de saúde, acumularão doenças. Muitas doenças. É questão de tempo.
 
Cenário local
Há no Espírito Santo atualmente 200 propriedades orgânicas certificadas responsáveis pela produção de 1.300 toneladas de alimentos, sendo mil toneladas de frutas e o restante de orelicultura.
Segundo a Seag, até 2014 esse número irá triplicar, visto que há 400 propriedades em processo de transição, que deverão agregar após a sua certificação mais 2.750 toneladas/mês à produção orgânica Estadual.
Além das propriedades orgânicas e as que se encontram em processo de transição, há ainda 1.300 propriedades que já adotam práticas agroecológicas, ou seja, em fase de eliminação de práticas convencionais, que segundo Decimar Schultz, pode levar de um a cinco anos, dependendo do histórico da propriedade.

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